Paixão e Vocação
Por: Eliana Walker
Todo ser humano possui dentro de si uma paixão avassaladora, um desejo extraordinário, uma ansiedade indescritível por realizar algo que faça com que todas as demais atividades pareçam-lhe monótonas, mecânicas e fastidiosas. Enquanto realiza este desejo, há um brilho ofuscante no olhar, uma alegria que extravasa, um vislumbre do infinito. É como se, naquele momento, o homem entrasse em outra dimensão, mais ampla e rica, e o contentamento por ela proporcionado fosse tão profundo que nem o silêncio pudesse contê-lo. Não há esforços excessivos e, se há algo que excede, é o prazer. É um sentimento de realização que invade o coração e o eleva, e o inspira, e o arrebata, e o liberta para voar além dos limites da mediocridade e das amarras da normalidade opressora que o cercam. O Deus Todo-poderoso, Criador do universo, Rei dos reis e Senhor dos senhores não poderia criar um ser segundo a sua imagem sem esconder dentro dele um tesouro de valor incalculável, um potencial de transformação inigualável, uma chama inextinguível e uma sede insaciável.
Embora desprovidos da glória e do poder originais e ainda impossibilitados de usufruir das maravilhas da eternidade, não fomos reduzidos por Deus a meros bonecos ou robôs que, além de cumprirem rotinas impostas, tediosas e angustiantes, são limitados a acreditar num mundo vindouro invisível, cheio de prazeres nunca antes desfrutados e tarefas desafiadoras e empolgantes ainda não provadas. Não. Deus é tão incomparavelmente sábio que nos permite provar minúsculas gotas do sobrenatural enquanto ainda atados ao corpo corruptível e a esta realidade finita. É inconcebível imaginar que nossa única esperança de verdadeira felicidade esteja baseada tão-somente em algo completamente fora de qualquer experiência presente.
Temos uma idéia do verdadeiro tabernáculo, porque vimos o modelo através de Moisés. Temos uma idéia de seu amor por nós por meio dos curtos relatos da vida de Jesus nos evangelhos e compreendemos um pouco de sua santidade através da lei e das Escrituras. Em que, então, deveríamos basear-nos para compreender a vida eterna senão na atual? E como é que poderíamos exultar ao pensar na eternidade se não fosse possível experimentar uma grande satisfação como mortais? Todos os modelos são inferiores, sim, mas, como modelos, devem refletir a essência do original.
Se pensamos na vida eterna como um mundo harmonioso onde todos sentam confortavelmente em nuvens macias e tocam incessantemente a mesma melodia em harpas majestosas, encaixadas e fixadas de tal forma que nosso único esforço é mover os dedos sem qualquer raciocínio ou concentração, então é perfeitamente aceitável uma vida enfadonha e repetitiva, na qual a escolha por qualquer atividade terrena é indiferente, e o único contato com o mundo espiritual resume-se a ir aos cultos e fazer um devocional ocasional. Ou seja, nossa atividade neste mundo, que consome a maior parte de nosso tempo e para a qual muitas vezes doamos o sangue, em nada estaria ligada à eternidade ou a Deus desde que fosse lícita.
Essa, porém, não é a vida eterna por que anseio. Creio que ela seja incalculavelmente melhor do que esta, que já é bem melhor do que tocar harpas e sentar em nuvens. Existe uma voz que Deus instalou em nosso peito que sussurra ao coração. É o que chamamos de vocação, talento, capacidade. Embora seja tão difícil termos a certeza de que Deus realmente está falando ou se trata apenas da vontade própria ou das circunstâncias, precisamos compreender que essa voz, essa vontade, esse enorme prazer em fazer algo - e que não vem de nós mesmos - é a expressão mais clara de Deus em nossa vida.
Ninguém decide gostar; é algo intrínseco, a pessoa simplesmente gosta. Ninguém diz: "Vou escolher do que vou gostar", mas, sim, "Preciso descobrir do que realmente gosto e em que realmente sou bom". É um sentimento que nasce conosco e cresce à medida que o tempo passa e o alimentamos. Cresce a ponto de ser impossível rejeitá-lo. E se é aquilo de que mais gostamos, então também temos a capacidade de realizá-lo com excelência.
Deus não nos chamou para vivermos feito baratas tontas, tentando ouvi-lo quanto ao que devemos fazer e, até que isso aconteça - se acontecer -, dando tiros no escuro, buscando alvos aleatórios e desenvolvendo tarefas desconectadas umas das outras. Não! Ele tem algo específico para nossa vida. Ele tem uma missão para cada pessoa, e essa missão é particular e intransferível embora se encaixe perfeitamente no plano de Deus como um todo.
Talvez alguém que não conheça Deus e realize satisfatoriamente sua vocação, de tal forma que emocione e cative a admiração das pessoas que o cercam, esteja mais próximo de cumprir a vontade de Deus para sua vida do que alguém que rejeita completamente essa paixão interior e tenta "servi-lo" à sua própria maneira. Uma pessoa que se considera cristã, mas ignora qualquer propósito específico para sua vida pode ser tão inútil para o Reino de Deus quanto alguém que nem crê em Deus mas tem senso de missão no sentido de entender sua vocação e buscar desenvolvê-la. A primeira tem respostas sem perguntas, esporádicos momentos de satisfação e lampejos de alegria em meio à constante desilusão e a uma jornada sem rumo. A segunda certamente terá o coração cheio de um sentimento de realização; no entanto, é como se corresse uma corrida sem medalha ou lutasse uma batalha sem vitória. É uma alegria que inunda e não preenche, que procura, mas não acha, que pergunta e não responde.
O verdadeiro poder transformador encontra-se exatamente na união de uma paixão incontrolável por Deus e a execução daquilo que traz brilho aos olhos e sorriso ao coração. Se cumprirmos nossa vocação com o foco no Reino de Deus, não haverá nada que nos impeça de lhe agradarmos. E, se lhe agradamos, vidas são transformadas, e o Espírito Santo tem liberdade para agir e usar nosso potencial ao máximo, pois estamos fazendo precisamente o que nascemos para fazer.